segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Análise do conceito de "coração duplo", em "A nova antropologia", de Peter Brown

Peter Brown trata do cristianismo como forma de preenchimento de um vácuo já existente no Império Romano, a questão do "coração duplo". A sociedade era patriarcal e predominantemente urbana. O cidadão romano, homem, deveria se ocupar das causas públicas em detrimento de sua vida privada. O "domus" (questões domésticas) seria responsablidade feminina, sendo considerado vergonhoso para o homem se deixar abalar por questões sentimentais, passionais. Era essa mentalidade que criava a questão do coração duplo, uma vez que o homem estaria sempre dividido emocionalmente entre sua vida pessoal e a postura pública esperada dele. É nesse contexto que se dá a ascensão do cristianismo em Roma. A nova religião do Império vai intensificar o conflito interno do coração duplo, ao mesmo tempo em que irá tentar justificar a escolha do público e o desapego ao privado como a solução correta para este conflito. Tudo isso porque o cristianismo também vai pregar o abandono daquilo que existe de mais particular no ser humano, em especial o sexo. Para Paulo, o sexo é ruim e o casamento, um mal menor. Uma vida realmente elevada seria a de castidade, pois esta permitiria a dedicação à vida religiosa, ao clérigo. Ora, o cristianismo já vem de uma raiz judaica, que vê o sentimento privado como algo prejudicial à unidade e solidariedade dentro do grupo. Ao penetrar em Roma, se depara com uma sociedade patrícia voltada para as questões públicas. Tem, em seu principal teórico, um crítico até mesmo do sexo. Ele vai gerar, agora no Império Romano, uma antropologia que deixa de ser apenas moral para também tornar-se religiosa.
Na análise de Peter Brown, há três elementos fundamentais na antropologia romana cristã: o pecado, a pobreza e a morte. O pecado geraria união e solidariedade numa população em que todo indivíduo tem consciência de ser pecador, conceito este tributário do pensamento judaico no Império. Há confissões públicas, embora o sacramento da confissão só tenha sido regulamentado no século XI. A pobreza era vista como o meio pelo qual os ricos praticariam a caridade e alcançariam a salvação. Eram incentivadas doações tanto aos pobres quanto à Igreja. Os religiosos, que, na época, pertenciam à aristocracia romana, buscavam a proximidade e ajuda aos pobres, mas sem igualar-se à condição deles. A idéia de que o religioso devia tornar-se pobre, de fato, virá posteriormente, na época de São Francisco de Assis. Já a morte traria a idéia de recondução da criatura. A princípio, ela traria a unidade, pois todas as basílicas deviam ser iguais e havia regras quanto a disposição do epitáfio dos mortos. Na prática, esta unidade não existia. Pelo contrário, a morte, no século IV, passa a hierarquizar as pessoas, uma vez que o clero e a elite serão enterrados mais próximos aos santos nos cemitérios de Roma e Milão.

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