sábado, 25 de dezembro de 2010

"Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade
Se tão contrário a si é o mesmo amor?"

Ao Rio, ao ano e a ele

Chega ao final
Mais uma, de muitas, de todas
Mais que isso, tudo isso
Termina a atual
Não sei se foi a mais bela
A mais intensa e colorida
De minha parte e só minha
Foi simplesmente vivida
Cada frase, suspiro e paisagem
Não, não é isso
Não falo de nossa viagem
O palco do Rio, desfecho ideal
Apenas sela uma linha traçada
Seja lá ou aqui, é outra coisa que acaba
E agora, de volta
A caminho dessa tal realidade
Te jogo pra fora
E espero pacientemenete a nova história
De volta, te olho nos olhos
E sou eu quem diz não
Pra tua forçada pretensão
De fazer de nós a tua verdade
E esquecer que a minha é outra
Não te tiro do peito, querido
Aqui, te aceito
Só em mim, teus olhos e boca
E as lembranças mais loucas
Que a tua loucura criou
E o teu beijo nem meu
Que nem quando foi, foi meu
Tudo isso ainda vive em alguma gaveta
Estante, relógio, na minha cabeça
Mas é a tua presença
E de tuas frases e crenças
E as noites e os dias
E aquela coisa tão tensa
De que me despeço e te tiro
Num tiro, surto, na volta do Rio
E a onda me diz cada vez que o mar bate
Que da minha vida você
Já não faz mais parte

**Nunca imaginei passar a meia-noite de um Natal fumando em frente ao Terminal Santo André, com uma amiga e duas malas lotadas. Nunca imaginei fugir de casa no Natal. E nunca imaginei que Santo André seria o local de destino, não de fuga. Também nunca imaginei que guardaria esse poema por 1 mês, bateria na porta dele na véspera de Natal e entregaria. Bem, 2010 daria um livro, mas ainda faltam 6 páginas. Tomara que sejam belas.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"Agora era fatal
Que o faz de conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim"

sábado, 27 de novembro de 2010

Nekrópolis

Veio-me na cabeça a peça. Retrato vivo de sociedade morta. Inversão cruel dos chamados "valores". Encantador ver como um grupo que comete os maiores crimes de estômago conquista a platéia. E trágico pensar em como essa mesma platéia reagiria, comovida, aos mesmos fatos, se soubessem serem reais. E, a bem da verdade, não são? Quantas "Estirpes" nunca concretizadas existem por aí? Ficaria essa platéia, que tornou-se advogada da defesa, crítica de uma geração precedente outrora vitoriosa e conformista, feliz, na vida real, em sua carne viva, se uma dessas "Estirpes" de verdade matasse a velhinha? Conseguiriam ver o mesmo bem que fingem enxergar na ação quando voltam seus olhos pro palco? Os artistas, justificando-se, dizem ter apresentado um texto imparcial. Manipulação artística (o que pode ser, ao mesmo tempo, hipócrita e brilhante) ou um tapa na cara de nós, platéia? Não escrevo isso como crítica à peça, artistas, texto, tampouco à Estirpe. Critico-me. Só isso. Questiono-me eu, cômodo diante do julgamento que a arte me envolveu. Queria não só saber como reagiria. Ao invés de platéia telespectadora (e a peça nos mostra o quanto somos -tele), por que não agentes deste tão belo crime? Se os admiramos tanto... quem desenterrou algum de nossos assassinatos ao sair do teatro? Quão semelhantes somos àquelas testemunhas! Macabéias soterradas e atropeladas depõe todo dia no head phone. E quanto aos jogos... se a criança é o que há de mais humano em termos de essência, quão sádicos somos! Controlamos este sadismo ao apertar o botão. E, pensando no prazer que este sadismo nos proporciona, vem-me a cabeça nova indagação: a Estirpe protestava ou se regozijava ao desenterrar? Isso! Eis a resposta que o júri não pôde dar: nem terrorismo nem crime político! Não foi nenhum sacrifício dar àquele shopping, materialização mais próxima que aqueles jovens encontraram de nossa medíocre burguesia emergente, submersa na ilusão Brasil, eles gostaram de dar a eles, a eles que acabei de ver a poucas estações de casa, o soco no estômago de Clarice. Podia jurar que o quadro renascentista de cadáveres que sequer nasceram estava lá, onde jantei. Principalmente pela normalidade inerente à rápida capacidade de recuperação do ser humano. A Estirpe chocou, morreu e... como tudo, foi esquecida. Talvez martirizada por quem se julga consciente. Não serão Cazuza e Cássia minha Estirpe? Qual nossa dificuldade em se espelhar naquilo que deu certo? E se a Estirpe tivesse sido absolvida? Então, eu, população civil, visto-me de jurado e, com toda arrogância que a lei poderia me dar, exacerbando poder sobre quem não sou eu, decido: absolvo! Absolvo-te, Estirpe, sei que seguirão suas vidas, e a lembrança destes cadáveres talvez até lhes façam discordar de Clarice.

sábado, 18 de setembro de 2010

Leque Vernáculo

Ela sentia um vazio
Um espaço, vácuo
Vacúolo a ser preenchido
Era o espaço que ele não tinha

Sua vida girava a roda da vida
Curvava e atravessava
A curva que ele não fazia

Gritava! Um grito de difícil definição
Feliz, gritava à dor
Um grito áspero, flácido
Que ele não gritava

E seu vazio, curvo gritar
Errante caminhar torto
E tudo isso, ele sabia apenas corpo
Fazia-lhe esquecer de que foi esquecido
Desumanizado, pessoa curvada
Humano pessoa esquecia
Que era pessoa bem antes daquele grito rouco
E que não podia, jamais poderia
Por ele, já feito mudo um pouco
Em todo aquele emaranhado
Do pré-concebido leque vernáculo
De vazio, curva e grito
É, por aquele semelhante, tão semelhante
Jamais seria amado

domingo, 12 de setembro de 2010

Poemas conjuntos 2

Esse é um dos meus preferidos. Fizemos no Masp, quando achávamos que a cota daquela noite já tinha sido encerrada. Ele pegou o papel e o lápis despretenciosamente; a poesia se fez e se apresentou a ele, para que a transcrevesse. Pediu que eu completasse. Fiz apenas um parágrafo dessa. Encaixamos onde a poesia pediu que fosse encaixado. E taí, mais uma de Tony Rocha e Féfis Damásio:

Um raio atingiu dentro de mim
O estômago remoía
Tudo em mim moía
O medo, a culpa. Qual culpa?
Culpa de ter a si negado
Ou culpa de ter a si aprovado?
Culpas a si, logo este
Que sem o medo, a culpa, a dor
Não poderia viver

E então culpado
De seu próprio mal
Fabricado por si mesmo
Diz ao poder:
Desculpa

Várias desculpas, n motivos
A culpa pela anulação
Cedia lugar às desculpas de seu patrão
Mas que mal grado seria
Desfazer de quem lhe roubou o dia
Em troca de um velho pão

Não tenho culpa!
Não me culpe!
Não me ocupo!

Então e mim me descobri
E aos poucos senti
Que tudo vale por tudo
E nada não vale mais pra nada

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Corpos

Como dizer
Que Ana não é Carolina
E que a janela de Chico fechou
Carolina viu sim o tempo passar na janela
Ana é menina, Ana não é lagoa
Ana é lagoa diante do mar
Ana foi feita menina
A lagoa, só feita
E quem são Ana, lagoa e mar
Pra decidir quem foi feito pra quê
Se não é ninguém ao lado
O mar não quer a forma, o contorno
Quer o que está por trás disso
Quer sentir Ana em suas ondas
Movendo-se a nado
Quer dizer a Ana que ele está
Provisoriamente apaixonado

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Poemas conjuntos

Fiz estes poemas com ele.


Poema I

Meu refúgio
Que encontro em ti, tão doce e severa
Paz, aconchego, despretensão, desaconchega, desfaz, diz paz

E eu querendo me achegar
Me achego e se desfaz
Pois em ti tenho meu encontro
E me encontro e na mesma hora
Como a mais bela das ninfas
Oferecendo todo seu esplendor
Mas então
Vais embora

Lembro-me de ti
Ti antes e eu antes de ti
Um fora do outro e eu fora de mim
E o encontro que eu não queria
E ninguém queria e ninguém sabia
E eu não sabia
E eu não sabia!

E em meio a asfalto concreto
Em meio a concreto, paredes vazias
Palavras vazias, trabalho
Necessito eu mesmo
Cadê você?

Mas se preciso de ti
Ainda não é eu mesmo
Às vezes, parece-me feita na medida
Pra mim, só pra mim
E quando olho em volta
E vejo a quantos sacia
E tantos de mim
E quantos torna a mim
É o só conjunto
E o sentimento do mundo
Que esvazias de mim

Mas tu me livras da ansiedade
De ter que andar passo a passo
Passo a passo em mim mesmo
Com você entro voando em mim mesmo
Distante...

Nos ares me vejo
Mas minhas asas são logo quebradas
É então que acordo e vejo o que não existe:
Concreto, palavras, futuro, passado
Onde voando joguei o meu agora?

Me prendes onde mais desejo ser preso
O instante que vivo
O chão que agora e só agora piso
E a vontade louca e torturante
De não precisar de mais que isso
Só de ti, só de ti

Toda a vontade de ser
Tudo o que o infinito deseja ser
Tu me dás, me apresentas o infinito
Poderia eu morrer
Já tenho tudo
Mas acordo frustrado
E me vejo em meio a nada

Logo tu, logo tu
Que tens o nome proibido
O andar pelas ruas coibido
Que me atiças e poda o libido
Que é tão presa e te soltas
Que todos invejam, criticam e desejam
Que eu desejo e repudio
Em detrimento de mim
Burlo as regras do mundo
Pra que toda e qualquer regra
Venha de ti
Só de ti, só de ti


Poema II

E então o céu da noite ficou azul
Foi de repente, ondas azuis
O que é vazio?

Vazio azul do dia
Vazio raiar do sol
Diante do azul cintilante daquela noite

As trombetas soavam
As árvores balançando...
Tudo acalmava
Num grande vazio

Foi quando o céu caiu na árvore
Nuvens, de azuis, se deleitavam
Se esbanjavam, trepavam!
E eu, expectador, gritei chorando
As leis findaram!

Era o olhar esperado
Há muito tempo esperava
O dia de rever
A ordem natural fixada
Dar espaço àquela noite azul
E àquela árvore azul


Tony Rocha / Féfis Damásio

Era pra ser dia 22

domingo, 5 de setembro de 2010

Desnominando, desdominando

Esse aqui foi feito com um cara muito foda!

Qual é a injustiça da alma?
Quais são as injustiças da alma, da vida?
Qual é a injustiça justa, a injustiça que conserta?
A da alma, do corpo... do mundo?

E então, depois de tanto vociferar por justiça
Minha alma, meu corpo, meu mundo
Decidiu abraçar as injustiças
A alma trapaceou
E fez da justiça o contrário
O oposto, na verdade o caos
A justiça e a injustiça viraram "eu mesmo"
E viram que o caos era bom
Ruim, avesso, só não... adepto
Tentou cuspir o caos no caos de fora
Mas sempre respondiam:
"Justiça!"

Mas um dia decidi não mais cuspir
A justiça olhava pra mim
Com seus olhos de sangue
Olhos de poder
Eu apenas sorri
A justiça então
Só conseguiu se envergonhar

Conceito carregado errôneo
Justiça era palavra
Forma, matéria expressa
E quer coisa mais justa
Que abandonar a justiça
E abraçar os significados não ditos?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

E muito pra mim é tão pouco

E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouco
Em guerra lutando por paz
E muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero... veja!
A qualidade está inferior
E não é a quantidade que faz a estrutura de um grande amor

Eu não sou mar e ele não é Ana

Eram quatro almas livres recém saídas da prisão, que resolveram vagar por aí em busca de nada. A graça, talvez, fosse só buscar. Compraram uma lamparina e acenderam o fogo. Começava uma contagem regressiva. A noite duraria enquanto a luz estivesse acesa, e nenhuma daquelas almas podia desperdiçar a chance, tão rara, de fazer o que realmente quisessem.
Fez-se a luz. Começou-se a noite. Tão mais bela que o dia; a luz da lamparina bastava. Eram quatro almas peculiares. Elas tinham o temível defeito da autenticidade. Aquela luz só poderia ser explosiva. Sentaram no parque, aquele mesmo já relatado neste acúmulo de textos. Pensaram na vida. E entenderam que o melhor da vida é não pensar. O tempo passava, a luz ficava cada vez mais fraca, mas cada segundo era deliciosamente saboreado. Não como se fosse o último, nem como se não o fosse; era simplesmente um segundo, e cada um deles tinha o seu valor. Experimentaram as mais variadas sensações. Algumas, novas pra alguns; outras, bem conhecidas de todos. Mas a luz estava ficando cada vez mais fraca. Juraram se amar naquele segundo; não eram muito dados à eternidade. Se amaram, da forma mais pura que se pode amar, que, vai entender por quê, é justamente a mais chocante.
A luz acabou. A lamparina estava vazia agora. Não sabiam direito o que tinha acontecido, o que tinha sobrado. Mas eram quatro almas livres recém saídas da prisão. Cada uma seguiu seu indesejado destino, cada uma saiu por aí buscando nada. A graça, talvez, fosse só buscar.

sábado, 21 de agosto de 2010

Texto de prova

Embora a pólis grega mais bem documentada seja, de longe, Atenas, sabe-se que esta não foi a primeira a adotar o regime democrático. A primazia se encontra com Quios. Claro que é possível traçar inúmeros paralelos entre a vida política e social destas duas cidades-Estados, mas voltemos a atenção para um aspecto específico em comum entre elas: a escravidão. Não que esta seja característica apenas de Atenas e Quios, ou das pólis democráticas. Pelo contrário, sabe-se ter sido a escravidão o modo de produção econômica predominante não só na Grécia, mas em tudo aquilo que se convencionou chamar "Antiguidade Clássica". Mas, nas pólis democráticas, esta não exercia apenas um papel econômico. Ela era, especialmente em Atenas, uma forma de sustentação política e ideológica do regime.
A democracia ateniense, embora mantivesse igualdade jurídica (isonomia - de "nomos", conjunto de regras que norteiam a vida social) e política (isocracia - "mesmo poder") entre seus cidadãos, nunca se esforçou para acabar ou mesmo diminuir as desigualdades sociais no seio de seu povo. E, quando me refiro a desigualdades sociais, não falo somente em diferenciação de renda. As desigualdades atingiam os diferentes gêneros, faixas etárias, os estrangeiros etc. Mas as desigualdades citadas eram simplesmente ignoradas pelo regime político vigente, ao passo que outras duas foram, até certo ponto, geradas e necessárias a ele: a hegemonia externa imperialista de Atenas, traduzida na Liga de Delos, e a já mencionada escravidão. Mas, afinal, por que a existência de escravos era tão necessária a um modelo que dava o poder de escolha ao povo?
Bem, em primeiro, a existência de escravos está intimamente ligada ao conceito de "cidadania". Para que se dê igualdade política a todos os cidadãos, é necessário saber, antes de mais nada, quem são esses cidadãos, e, por consequência, quem não o são. A escravidão ajudava a delimitar até onde ia a democracia ateniense, quem fazia parte dela. Até aí, a exclusão de mulheres e estrangeiros em nada perde em termos de importância (sem que se faça juízo de valores da palavra) para a dos escravos. Mas a escravidão vai mais além.
A democracia direta ateniense, tão bem descrita por Finley, necessitava que os cidadãos gozassem daquilo que Aristóteles tanto enalteceu: o ócio, entendido, na Grácia Antiga, como o tempo livre do trabalho para que se pudesse se dedicar à vida pública. O órgão máximo era a Assembléia, reuniões livres a qualquer cidadão onde eram votados todos os projetos. Nem as magistraturas, cargos executivos criados para funções bem específicas, nem o Conselho, órgão legislativo responsável pela elaboração de projetos, podiam exceder àquilo que fosse decidido pela Assembléia. Ora, uma participação popular ativa na Assembléia (o que se questiona se sempre ocorrera, mas era o desejado pelo sistema) demandava tempo dos cidadãos, tempo este que não podia ser desperdiçado em termos de produção. A única solução para este conflito foi criar uma divisão de tarefas: o cidadão deveria delegar a outrem as funções típicas do trabalho para então poder participar da política. É aí que entra o escravo. Não poderia haver tal forma de democracia sem ele. A escravidão, neste caso, não se apresenta como uma característica econômica, mas também como uma necessidade política dentro de um conflito social inerente ao sistema, com direito até a justificativa filosófica.
Aristóteles, principal filósofo grego a escrever sobre o assunto, via a escravidão como algo natural, decorrente de uma também natural distribuição desigual de virtudes. O homem público, político, teria a plena capacidade de escolha, ausente no escravo, que teria suas virtudes ajustadas às suas tarefas. O escravo só saberia aquilo que fosse necessário para realizá-las, nada mais que isso.

domingo, 15 de agosto de 2010

O amor é o ridículo da vida

A gente procura nele uma pureza impossível, uma pureza que está sempre se pondo. A vida veio e me levou com ela. Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga idéia de paraíso que nos persegue, bonita e breve, como borboletas que só vivem 24 horas. Morrer não dói. (Cazuza)

domingo, 8 de agosto de 2010

Não me lembro exatamente as palavras usadas, mas era algo mais ou menos assim:

"Você pode escolher voltar, ou pode escolher ficar aí, envelhecer tomado pela culpa e esperar pra morrer sozinho."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A Lista - Oswaldo Montenegro

Sim, seu porra, o "Antes de Dormir" (se é que você o leu) foi pra você. Esse vídeo também. As visitas lá, mascaradas pelo interesse em outro alguém, não passavam de desculpa esfarrapada pra te ver passar em silêncio. Sim, essa semana também. Tudo. Todas as vezes que você desconfiou que era por você, era mesmo. E nem um "oi"...

Fernando Pessoa tava certo. Você, que nunca escreveu uma carta de amor, é ridículo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada. Lá sou filho do rei. Não sei se terei o homem que quero, pois ele continuará aqui. Mas ficarei com a cama vaga. Vou-me embora pra Pasárgada. Aqui sou feliz, mas me sinto desorientado. Lá a existência é estável e consequente. Farei caminhadas. Não andarei de bicicleta porque não sei fazer curvas. Mas tomarei muitos banhos de mar! E quando estiver cansado deito na beira da areia. Vou-me embora pra Pasárgada. Em Pasárgada tem menos coisas que aqui. Mas camisinha tem em todo lugar. As prostitutas eu não faço a mínima questão de conhecer. E quando eu estiver triste - lá sou filho do rei - lembrarei do homem que (não) deixei aqui e da cama vaga que é minha. Vou-me embora pra Pasárgada.

terça-feira, 27 de julho de 2010

A hora do encontro é também despedida

Só me faz lembrar que ele queria tanto ver a Michele e a Giovanna juntas, e elas se conheceram no dia de seu enterro.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mais valia

Você sabe o que significa? Bem, acredito que a maioria das pessoas que lêem esse blog sim (não entendam como um elogio ao blog; é que a maioria dos meus amigos sabem, e acho que eles são os que mais lêem isso aqui). Mas, de todo jeito, não custa tentar esclarecer um pouco quem não conhece o termo.
Não sou bom com linguagens matemáticas, mas mostrar o que pesa no bolso é sempre a melhor maneira. Funciona assim: vamos supor que cada hora sua de trabalho valha R$15. Mas, com seu esforço, você produziu, nessa 1 hora, um produto que valha R$90. Os R$75 (90-15) que ele lucrou em cima de você é a mais valia. Então, não, o trabalho NÃO dignifica o homem. Você não sai todo dia de manhã de casa pra ganhar o seu dinheiro, você vai produzir o dos outros. E, na maioria dos casos, nunca terá acesso àquilo que produziu. E, enquanto você pega o ônibus lotado, o trânsito na avenida, enquanto seu despertador toca, o dono do dinheiro que você produzirá aquele dia, o DONO do que VOCÊ vai fazer, DONO, tá dormindo, trepando, viajando...
Em Roma, quando os plebeus perceberam que eram maioria absoluta no exército, fizeram greve e conquistaram inúmeros direitos legais que não possuíam. Alguém já te avisou que os pobres são maioria absoluta nas fábricas?
A culpa é SUA!!!

sábado, 10 de julho de 2010

Cálice

Como tomar dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca resto o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sanque

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, Pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adiante ter boa vontade?
Mesmo calada a boca resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

Cálice



Salve Chico Buarque de Hollanda!!!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Antes de dormir

É o melhor momento pra exercitar a imaginação. Deitei no colchão da Isa. Pus a cabeça no Tonny. Abracei a Ovelha. E tentei esquecer como as últimas horas tinham sido horríveis. Consegui.
Imaginei um mundo diferente. Um mundo onde a diferença era encarada com a normalidade que lhe é própria. Ser diferente era normal. Ninguém precisava ter medo. Ele não precisava ter medo.
Não, mentira. Tudo mentira. Era um mundo opressivo, bem mais que o nosso. A diferença era duramente punida. E ele não tinha medo mesmo assim. Era diferente, gostava de ser diferente. Exibia-se. Chocava, como a menina mulher dos bandolins de Oswaldo. E, assim como ela, não perdia o ar infantil que lhe tornava sedutor. Bebia. Bebia o álcool, a lua, a noite, a mim. Sem medo. Pela primeira vez em MINHA vida, ELE não tinha medo.
Não era realidade. Nem sonho. Era o minuto que antecede o sono, quando viver é mais gostoso.

Inversão de valores

"Nada mais vai me ferir
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui
E com a minha própria lei
Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais
Como eu sei quem tens também"

Antes, eu reclamava da minha facilidade pra me envolver. Achava muito chato. Queria ser um robô, um animal irracional, alguém livre da consciência dos próprios sentimentos, alguém que não os tivesse. E sabe o que eu mais queria agora? Sentir tudo isso de novo. Agora, os "envolvimentos" são vazios e ninguém me tira mais o fôlego. É estranho querer o que já me prejudicou tanto, mas é que faz as pessoas se sentirem vivas, afinal.
Não ter nada novo te prende ao passado, e nisso, dois nomes vão e vêm. Bem, um nome só, né?
Queria amar mais que duas vezes na vida. Isso de "se apaixonar todo dia, mesmo que seja pela mesma pessoa" é balela. Tem gente demais no mundo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O Duque

Ele já estava indo pra casa, mas resolver passar lá antes. É sempre um bom lugar pra quando se precisa pensar na vida. Adentrou a portaria marrom, e lá dentro estava repleto de verde. Essas pequenas concentrações de verde em meio a grandes metrópoles sempre lhe fascinaram. Deve ser alguma analogia com algum lugar especial. O fato é que estavam lá, ele e o verde. Ele acabara de saber que precisaria tomar uma decisão importante. A bem da verdade, sabia que a decisão já estava tomada desde o momento em que se apresentou necessária. Costumava ser assim em sua vida. Ele costumava demorar pra admitir que já tinha decidido. O que faltava, de fato, era dar forma ao conteúdo. O "como", não mais o "o quê". Mas ele sabia que as respostas do qual precisava não viriam todas naquele momento. Por hora, queria apenas o verde.
Escolheu o banco que lhe parecia um pouco mais escondido. O parque estava todo lotado, na verdade. Mas havia um banco longe dos muros, do alcance da grande avenida. Sentou ali. Acendeu seu cigarro. Pensou. Viu uma crinaça tirar um peixe do lago (sim, além de todo o verde, tinha um laguinho lá) e levar bronca de sua mãe. Trocaram alguns palavrões, as duas. Mas nada tirava sua calma. Apenas saboreava o verde e o cigarro.
Era uma cena tão simples, banal e mais qualquer adjetivo que se queira usar pra diminuir a importância das coisas. Mas ele usufruiu dela ao máximo, porque sabia que, dali a pouco tempo, um adjetivo não lhe cairia mais: a cena deixaria de ser cotidiana!
Aproveitou o que pôde. Saiu... e a grande avenida ainda estava lá.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Cada povo tem o time de futebol que merece

Eu nunca gostei de futebol. Aliás, de esportes em geral, com exceção de dama. Mas a Copa do Mundo sempre foi uma exceção. Nem era pelos jogos em si, mas a festa, o clima gostoso, a oportunidade única de ver um país inteiro torcendo pelo mesmo time. Mas tem algumas coisas que me chateiam nisso tudo... Não é o valor que as pessoas dão pra Copa, ela de fato tem seu valor, mas é o fato de as pessoas darem esse valor SÓ pra Copa.
No dia do nosso 1o jogo, contra a Coréia do Norte, vi gente batendo no tróleibus lotado dizendo que dava pra entrar, os carros que passavam pela Pereia Barreto tocavam vuvuzelas, todos vestidos de verde e amarelo. E agora fomos eliminados da Copa. Mas, daqui a 4 meses, teremos eleições. Será que alguém também vai sair carregando a bandeira do Brasil, ficar bravo porque a condução tá lotada...? Não se trata de torcer pra este ou aquele candidato, e sim de torcer pelo país, mas agora por uma causa muito mais nobre que uma taça. Não que eu ache que as eleições sejam, como a mídia tanto prega nessa época, uma forma de mudança. Seu voto, numa sociedade neoliberal, não faz diferença nenhuma, não. Mas, poxa, ainda assim é o "ritual político" onde mais se dá espaço à opinião do povo em nosso regime (apesar de, às vezes, o povo provar que seria melhor se ele não tivesse opinião). Eu queria mesmo entender por que as pessoas não se mobilizam por política como por futebol.
A Copa é a mais defintiva prova de que temos, sim, capacidade nos organizarmos por um motivo comum, mas ninguém se organiza porque a escola pública onde o filho estuda é um lixo, o hospital público não tem médico e o transporte "público" custa mais caro do que o salário do povo suporta pagar.
Não é de hoje que formas de lazer como o futebol são usadas pra mascarar as coisas. Na Copa de 70, o "futebol mais bonito do mundo" camuflou o período mais repressivo do regime militar. O que será que tá sendo escondido agora? A falta de democracia de nossa redemocratização? A lei de anistia a crimes ambientais que seria votada no dia de abertura da Copa? A metamorfose da tortura, que deixou de ser realizada através de atos pra se dar por omissões? Bem, seja o que for, é pela derrota pra Holanda que o povo brasileiro tá chorando hoje. Depois, não reclamem.


A seguir, um trecho de um texto Judith Shklar:

"Um povo não é uma entidade política, como outrora se esperava que fosse. Partidos, campanhas organizadas e líderes compõe a realidade, se não a promessa, de regimes eleitorais... As eleições são rituais na função e na forma, e a escolha de partes é bastante limitada. Portanto, as preensões são padronizadas e as convenções para expressá-las são igualmente previsíveis. As expectativas dos eleitores não são, em regra, particularmente grandes, e a sua tolerância para as excentricidades e os afastamentos do roteiro é baixa."

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Feliz primeiro de julho!!!!

Eis que começa o 2o semestre. A metade mais legal do ano. Pelo menos, costuma ser. Com exceção do ano passado, mas o ano passado foi horroroso, então não conta. E, pra comemorar a data, nada melhor que "1o de Julho".
Essa música me traz um misto engraçado de sensações. Tem parte que lembra uma grande amiga. Outra, lembra minha mãe. Tem a que lembra uma inimiga e uma grande paixão. A que lembra a ingratidão, com sua peculiar dose de masoquismo. Mas lembra, acima de tudo, uma cena a qual eu assisti. Foi da vida real, mas eu não participei dela. Não era personagem, naquela hora. Mas fez muita diferença tê-la visto. Abandonei o Fernando. Tornei-me Féfis. Saí de um casulo. E nunca mais consegui esquecer aquela visão. Foram dias difíceis. Ainda bem que faltava pouco pra 1o de julho.

"Eu vejo que aprendi
O quanto te ensinei
E é nos teus braços que ele vai saber"

PS(o que não é de Diadema): o Renato Russo escreveu essa música pra Cássia Eller quando ela tava grávida do Chicão.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A longa duração na História e nas estórias

Pra começar, eu sei que a grafia "estória" foi extinta. É apenas uma forma de diferenciação. Mas, enfim, vamos aos fatos.
Nisso de aprender a fazer um blog e criar o Retrovisor, eu andei relendo o Blog do Central. E uma postagem me tocou em especial. Foi a penúltima de 2007, um texto do Markoleta, de encerramento do ano. Me veio então aquela sessão flashback e comecei a fazer um balanço dos últimos 3 anos. Eu estava pra terminar o Ensino Médio. Fase dolorosa, nostálgica, mas repleta de sonhos e expectativas. É a hora do "vamo ver", e tudo que você quer é que seja como você planejou. Foram anos longos, provavelmente devido ao grande número de ambientes e experiências que fizeram parte deles. Quando o Markoleta pôs aquele ponto final, eu era um garoto que estava esperando o resultado de um vestibular que, sinceramente, não fazia a mínima questão de passar; torcia pro Conselho me aprovar em Química; queria muito trabalhar e estava disposto a entregar currículo em barraquinha de cachorro-quente; queria sair da casa dos meus avós e morar numa república com a galera da ETE; queria transar. Bem, nesse tempo todo, eu transei; morei com a Isa, sozinho e, agora, com a Bia; trabalhei numa indústria de plásticos, posto de saúde, pronto-socorro, almoxarifado de medicamentos e me demiti; comecei Logística, fiz cursinho e agora faço História na USP. Foi um grande leque de acontecimentos.
Mas a vida é como a História, e as teorias são válidas pra ambas. E já dizia Fernand Braudel, renomado historiador francês, que o mais importante da História não são os acontecimentos. Não, não são. São os eventos de longa duração. Aquilo que o tempo não muda. Que dura séculos, talvez milênios. Claro que, transpondo isso pra uma vida humana, não se pode falar em séculos, tampouco em milênios. Mas, realmente, há coisas que não mudam. Estou com a Isa. Ontem, conversamos no msn com a tia Lígia, Kinho, Dolfo, Markoleta. Logo mais, estarei com a Bia. Geralmente, na vida, esses "eventos" de longa duração são aqueles que podem ser traduzidos em nomes e sobrenomes, e eles são muito mais importantes do que qualquer ínfimo segundo que pense ter a capacidade de mudar o rumo das coisas pra sempre.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Essas frases de criança...

Certa vez, um garotinho de 5 anos, após levar uma bronca de seu avô, iniciou uma discussão. Incrivelmente mimado e mal educado, queria ser sempre o último a falar. O avô, num tom de desprezo, superioridade, descrédito, daqueles que se usa quando se quer desmoralizar o oponente pelo simples fato de ele ser quem é, perguntou-lhe "quem era ele pra falar daquele jeito". E o menino, de maneira natural, achando a pergunta das mais simples, disse-lhe "eu sou o meu corpo". Ateu convicto, o avô desfez a cara, deixou de lado o descrédito. O menino, com o passar do tempo, mudou de idéia. Mas a naturalidade com que aquela criança reagiu a uma pergunta que encabula qualquer adulto, isso acompanha os 2 até hoje.