sábado, 18 de setembro de 2010

Leque Vernáculo

Ela sentia um vazio
Um espaço, vácuo
Vacúolo a ser preenchido
Era o espaço que ele não tinha

Sua vida girava a roda da vida
Curvava e atravessava
A curva que ele não fazia

Gritava! Um grito de difícil definição
Feliz, gritava à dor
Um grito áspero, flácido
Que ele não gritava

E seu vazio, curvo gritar
Errante caminhar torto
E tudo isso, ele sabia apenas corpo
Fazia-lhe esquecer de que foi esquecido
Desumanizado, pessoa curvada
Humano pessoa esquecia
Que era pessoa bem antes daquele grito rouco
E que não podia, jamais poderia
Por ele, já feito mudo um pouco
Em todo aquele emaranhado
Do pré-concebido leque vernáculo
De vazio, curva e grito
É, por aquele semelhante, tão semelhante
Jamais seria amado

domingo, 12 de setembro de 2010

Poemas conjuntos 2

Esse é um dos meus preferidos. Fizemos no Masp, quando achávamos que a cota daquela noite já tinha sido encerrada. Ele pegou o papel e o lápis despretenciosamente; a poesia se fez e se apresentou a ele, para que a transcrevesse. Pediu que eu completasse. Fiz apenas um parágrafo dessa. Encaixamos onde a poesia pediu que fosse encaixado. E taí, mais uma de Tony Rocha e Féfis Damásio:

Um raio atingiu dentro de mim
O estômago remoía
Tudo em mim moía
O medo, a culpa. Qual culpa?
Culpa de ter a si negado
Ou culpa de ter a si aprovado?
Culpas a si, logo este
Que sem o medo, a culpa, a dor
Não poderia viver

E então culpado
De seu próprio mal
Fabricado por si mesmo
Diz ao poder:
Desculpa

Várias desculpas, n motivos
A culpa pela anulação
Cedia lugar às desculpas de seu patrão
Mas que mal grado seria
Desfazer de quem lhe roubou o dia
Em troca de um velho pão

Não tenho culpa!
Não me culpe!
Não me ocupo!

Então e mim me descobri
E aos poucos senti
Que tudo vale por tudo
E nada não vale mais pra nada

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Corpos

Como dizer
Que Ana não é Carolina
E que a janela de Chico fechou
Carolina viu sim o tempo passar na janela
Ana é menina, Ana não é lagoa
Ana é lagoa diante do mar
Ana foi feita menina
A lagoa, só feita
E quem são Ana, lagoa e mar
Pra decidir quem foi feito pra quê
Se não é ninguém ao lado
O mar não quer a forma, o contorno
Quer o que está por trás disso
Quer sentir Ana em suas ondas
Movendo-se a nado
Quer dizer a Ana que ele está
Provisoriamente apaixonado

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Poemas conjuntos

Fiz estes poemas com ele.


Poema I

Meu refúgio
Que encontro em ti, tão doce e severa
Paz, aconchego, despretensão, desaconchega, desfaz, diz paz

E eu querendo me achegar
Me achego e se desfaz
Pois em ti tenho meu encontro
E me encontro e na mesma hora
Como a mais bela das ninfas
Oferecendo todo seu esplendor
Mas então
Vais embora

Lembro-me de ti
Ti antes e eu antes de ti
Um fora do outro e eu fora de mim
E o encontro que eu não queria
E ninguém queria e ninguém sabia
E eu não sabia
E eu não sabia!

E em meio a asfalto concreto
Em meio a concreto, paredes vazias
Palavras vazias, trabalho
Necessito eu mesmo
Cadê você?

Mas se preciso de ti
Ainda não é eu mesmo
Às vezes, parece-me feita na medida
Pra mim, só pra mim
E quando olho em volta
E vejo a quantos sacia
E tantos de mim
E quantos torna a mim
É o só conjunto
E o sentimento do mundo
Que esvazias de mim

Mas tu me livras da ansiedade
De ter que andar passo a passo
Passo a passo em mim mesmo
Com você entro voando em mim mesmo
Distante...

Nos ares me vejo
Mas minhas asas são logo quebradas
É então que acordo e vejo o que não existe:
Concreto, palavras, futuro, passado
Onde voando joguei o meu agora?

Me prendes onde mais desejo ser preso
O instante que vivo
O chão que agora e só agora piso
E a vontade louca e torturante
De não precisar de mais que isso
Só de ti, só de ti

Toda a vontade de ser
Tudo o que o infinito deseja ser
Tu me dás, me apresentas o infinito
Poderia eu morrer
Já tenho tudo
Mas acordo frustrado
E me vejo em meio a nada

Logo tu, logo tu
Que tens o nome proibido
O andar pelas ruas coibido
Que me atiças e poda o libido
Que é tão presa e te soltas
Que todos invejam, criticam e desejam
Que eu desejo e repudio
Em detrimento de mim
Burlo as regras do mundo
Pra que toda e qualquer regra
Venha de ti
Só de ti, só de ti


Poema II

E então o céu da noite ficou azul
Foi de repente, ondas azuis
O que é vazio?

Vazio azul do dia
Vazio raiar do sol
Diante do azul cintilante daquela noite

As trombetas soavam
As árvores balançando...
Tudo acalmava
Num grande vazio

Foi quando o céu caiu na árvore
Nuvens, de azuis, se deleitavam
Se esbanjavam, trepavam!
E eu, expectador, gritei chorando
As leis findaram!

Era o olhar esperado
Há muito tempo esperava
O dia de rever
A ordem natural fixada
Dar espaço àquela noite azul
E àquela árvore azul


Tony Rocha / Féfis Damásio

Era pra ser dia 22

domingo, 5 de setembro de 2010

Desnominando, desdominando

Esse aqui foi feito com um cara muito foda!

Qual é a injustiça da alma?
Quais são as injustiças da alma, da vida?
Qual é a injustiça justa, a injustiça que conserta?
A da alma, do corpo... do mundo?

E então, depois de tanto vociferar por justiça
Minha alma, meu corpo, meu mundo
Decidiu abraçar as injustiças
A alma trapaceou
E fez da justiça o contrário
O oposto, na verdade o caos
A justiça e a injustiça viraram "eu mesmo"
E viram que o caos era bom
Ruim, avesso, só não... adepto
Tentou cuspir o caos no caos de fora
Mas sempre respondiam:
"Justiça!"

Mas um dia decidi não mais cuspir
A justiça olhava pra mim
Com seus olhos de sangue
Olhos de poder
Eu apenas sorri
A justiça então
Só conseguiu se envergonhar

Conceito carregado errôneo
Justiça era palavra
Forma, matéria expressa
E quer coisa mais justa
Que abandonar a justiça
E abraçar os significados não ditos?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

E muito pra mim é tão pouco

E pouco é um pouco demais
Viver tá me deixando louco
Não sei mais do que sou capaz
Gritando pra não ficar rouco
Em guerra lutando por paz
E muito pra mim é tão pouco
E pouco eu não quero... veja!
A qualidade está inferior
E não é a quantidade que faz a estrutura de um grande amor

Eu não sou mar e ele não é Ana

Eram quatro almas livres recém saídas da prisão, que resolveram vagar por aí em busca de nada. A graça, talvez, fosse só buscar. Compraram uma lamparina e acenderam o fogo. Começava uma contagem regressiva. A noite duraria enquanto a luz estivesse acesa, e nenhuma daquelas almas podia desperdiçar a chance, tão rara, de fazer o que realmente quisessem.
Fez-se a luz. Começou-se a noite. Tão mais bela que o dia; a luz da lamparina bastava. Eram quatro almas peculiares. Elas tinham o temível defeito da autenticidade. Aquela luz só poderia ser explosiva. Sentaram no parque, aquele mesmo já relatado neste acúmulo de textos. Pensaram na vida. E entenderam que o melhor da vida é não pensar. O tempo passava, a luz ficava cada vez mais fraca, mas cada segundo era deliciosamente saboreado. Não como se fosse o último, nem como se não o fosse; era simplesmente um segundo, e cada um deles tinha o seu valor. Experimentaram as mais variadas sensações. Algumas, novas pra alguns; outras, bem conhecidas de todos. Mas a luz estava ficando cada vez mais fraca. Juraram se amar naquele segundo; não eram muito dados à eternidade. Se amaram, da forma mais pura que se pode amar, que, vai entender por quê, é justamente a mais chocante.
A luz acabou. A lamparina estava vazia agora. Não sabiam direito o que tinha acontecido, o que tinha sobrado. Mas eram quatro almas livres recém saídas da prisão. Cada uma seguiu seu indesejado destino, cada uma saiu por aí buscando nada. A graça, talvez, fosse só buscar.